
Por que fracassamos nos próprios hábitos? O desejo, o desconforto e o ciclo invisível da autossabotagem.
Você já viveu esse roteiro. A decisão vem carregada de força: “Agora vai. Dessa vez, é sério.” Você acorda motivada, organiza as refeições, promete a si mesma que não vai mais ceder e vai cumprir a dieta. Por alguns dias, tudo flui. Até que, no meio da semana, surge aquela voz interna, sutil e sedutora: “É só um docinho… Você merece…”
E, sem perceber, o que seria uma exceção vira licença para desistir. A narrativa muda rapidamente: “Ah, eu não consigo mesmo. Isso não é pra mim. É muito difícil.” Assim, mais uma vez, você adia não só uma meta. Adia a si mesma.
O ciclo se repete: promessa, tentativa, recaída, frustração. E, silenciosamente, um padrão se fortalece: fugir do desconforto. Mas o desconforto é um visitante inevitável de qualquer processo de mudança. A busca constante por conforto e satisfação imediata te mantém presa em um lugar infantil da psique, onde o crescimento é adiado, e o prazer imediato se torna senhor da sua vontade.
Essa dinâmica não é casual. A psicanálise lança luz sobre ela. Segundo Jacques Lacan, o desejo não é simplesmente aquilo que queremos, mas aquilo que nos constitui. O desejo nasce da falta, daquilo que nunca se preenche completamente. E, na tentativa de silenciar esse vazio, buscamos substitutos rápidos: comida, compras, distrações, promessas quebradas.
É o velho jogo: tapar o buraco da angústia com prazer instantâneo. Mas o alívio dura pouco e a culpa chega antes mesmo da digestão terminar.
Na infância, tudo gira em torno disso: querer e ter, desejar e receber. Mas, na vida adulta, permanecer refém desse circuito é permanecer aprisionada numa ilusão. E, convenhamos, não há amadurecimento possível nesse parque de diversões interno, onde tudo precisa ser fácil, rápido e confortável.
Cultivar um novo hábito é, antes de tudo, aceitar o desconforto que nasce do amadurecimento. É atravessar o incômodo de não ceder, de não escolher o caminho mais fácil, de não anestesiar o próprio vazio com gratificações passageiras. O desejo não desaparece. Mas pode ser reelaborado. E é exatamente nesse espaço, entre o ímpeto e a escolha consciente, que nasce a verdadeira transformação.
O desconforto não é o seu inimigo. É, na verdade, o portão de entrada para uma vida onde você deixa de ser refém do prazer imediato… e começa, enfim, a se tornar autora da própria história.

