
O cansaço que as mulheres herdaram: o corpo exausto e o feminino ferido
Há um tipo de cansaço que repouso algum alivia. Uma exaustão que se instala na alma, atravessa gerações e se manifesta no corpo como dor, ansiedade e esgotamento. Você sente? Um peso constante, uma irritação que não acaba, uma vontade de parar e descansar, mas que nunca encontra espaço.
Não se trata apenas de fadiga física. Trata-se de uma sobrecarga ancestral: o esgotamento do feminino ferido, expressão utilizada na Psicologia Jungiana para nomear o arquétipo de uma mulher desconectada de si e da energia positiva do feminino, condicionada a doar-se ininterruptamente, a calar-se diante das próprias necessidades, a valorizar o sacrifício como virtude.
Conhece o mito de Perséfone? A jornada vivida por essa figura mitológica ilustra muito bem a tentativa de integração das partes negadas e inconscientes da sombra do feminino. Perséfone é raptada por Hades e levada ao submundo. Lá, ela deixa de ser apenas a “donzela inocente” que vivia com a sua mãe acolhedora e torna-se Rainha do Mundo Inferior, uma soberana conectada com a profundidade, com a dor, os ciclos de morte e renascimento.
Essa descida ao submundo é uma metáfora para o mergulho nas camadas mais profundas da psique feminina, onde habitam o cansaço ancestral, as feridas herdadas, os silêncios impostos e os desejos reprimidos. É também o lugar onde a mulher encontra sua verdadeira força: não a força da superfície, da performance ou da resistência, mas a força que nasce da autenticidade e do autoconhecimento.
Durante séculos, aprendemos que ser boa era ser útil. Que ser forte era suportar tudo (e em silêncio). Mas esse roteiro foi herdado. Foi normalizado. E, muitas vezes, romantizado. Mas hoje, seu corpo fala. Sua mente, sobrecarregada, pede socorro. O corpo produz sintomas. O estômago arde. A insônia se torna rotina. O stress passa a ser normal. A alma, em silêncio, clama por um novo sentido.
Segundo a Harvard Health Publishing, o estresse crônico pode contribuir para pressão alta, formação de depósitos nas artérias e alterações cerebrais que podem levar à ansiedade, depressão e comportamentos aditivos. Quando o corpo chega a esse ponto é necessário ressignificar e escutar o chamado. Um chamado não apenas para repousar, mas para transformar. Talvez você esteja sendo convocada a reescrever a história. A romper, com coragem e compaixão, o ciclo do feminino ferido e dar início a uma nova linhagem: a da mulher inteira, que não precisa provar seu valor pelo quanto suporta, mas pelo quanto se permite viver com inteireza, a mulher que é você de verdade.
Cansar-se não é fraqueza. É um sinal. Um ponto de ruptura. Um convite à reconexão com a sua essência. Você não precisa ser guerreira o tempo todo. Pode honrar as que vieram antes sem repetir os mesmos sacrifícios. Pode quebrar o ciclo e fazer o que talvez as suas ancestrais quisessem ter feito. Para para lembrar-se, com firmeza e delicadeza, de quem você é quando silencia o barulho do mundo. Talvez não lhe falte força. Talvez só lhe falte permissão.
FONTE: https://developingchild.harvard.edu/key-concept/toxic-stress


Um comentário
Nelma Cabral Silva
Iana, seu texto me atravessou.
É como se cada linha tivesse sido escrita para todas nós, filhas do cansaço e da esperança.
Te conhecer no Soulcast foi um presente. Ver você crescer e ocupar espaços tão necessários me enche de orgulho.
Um abraço cheio de admiração,
Nelma Cabral Silva
Ouça nossa conversa no Soulcast:
https://youtu.be/Rqxd05Qiyow?si=0v3ggIjMsV8lxU0f